Bom Dia!
Sabe o que é uma capsula do tempo? Capsulas do tempo são aqueles tubos em que se depositam documentos e itens que se queria guardar de uma época ou ocasião, e depois de décadas os tubos são reabertos e são testemunhos do passado. São Paulo soube bem o que é isso, só que ao invés de décadas, passou quase três séculos fechada em uma “capsula do tempo”. Foi descrita por diversos viajantes e cronistas da época como uma cidade “de mortos” e com construções tão antigas quanto o próprio mundo. No início do século XIX, ainda que pequena e um tanto atrasada, já despontava como cabeça (capital) da capitânia e começa a sentir o sopro de modernidade que já atingira outros núcleos urbanos do Império. O panorama da cidade muda na segunda metade do século, impulsionado principalmente pelo café e pela estrada de ferro. A cidade precisava crescer e a qualquer custo, nem que para isso, fosse preciso derruba-la e reconstruí-la.A cidade cresceu e se modificou a uma velocidade tão grande que, de uma geração a outra, os jovens já não mais conhecem a cidade onde viveram seus antepassados recentes.
Dos tantos exemplos que poderíamos abordar, mostrando essa evolução e involução, o Parque Dom Pedro II é um dos mais significativos e arrasadores. De grande brejo e depósito de lixo, virou um espaço de convivência e por anos fez parte da infância e vida de pessoas, atualmente é apenas um local de passagem e abandono. Tentarei ilustrar e contar algumas das histórias do local pela história. Parafraseando uma das grande obras de Benedito Lima de Toledo: Parque Dom Pedro II: “três parques em um século”.
Bem antes de ser o Parque D. Pedro II, toda essa região era conhecida como Várzea do Carmo. Várzea, pois era (ainda é) a área inundada pelas cheias do Tamanduateí e “do Carmo” por conta da igreja dos carmelitas, a Igreja do Carmo, que também nomeava a ladeira e a ponte no final dela, hoje esse trecho corresponde a conhecida avenida Rangel Pestana. Por muito tempo, usou-se as margens do Tamanduateí para para banhos, para as lavadeiras e suas memoráveis brigas e também para o despejo de lixo e de dejetos. As enchentes passaram a ser um dos grandes problemas à população, pois a insalubridade da Várzea do Carmo trazia muitas doenças para a população. Já em 1810 fora construída uma vala no centro da várzea na tentativa de barrar os alagamentos. Mesmo com esses problemas, o botânico francês Auguste Saint-Hilaire¹, que esteve em São Paulo em 1822, dá um panorama da vista que se descortina pelas janelas do Largo do Palácio (Pátio do Colégio):
“o Tamanduateí vai serpenteando através das pastagens úmidas, [dava] mais encanto à paisagem.” Esta paisagem, por sinal, incluía a Várzea do Carmo, atual Parque D. Pedro II, a qual ele definiu como uma “planície sem acidentes que apresenta uma encantadora alternativa de pastagens rasteiras e de capões de mato pouco elevados […] nas partes em que há mais água, o solo é entremeado de montículos cobertos de espessos tufos de relva.”
“Vai serpenteando”? Isso mesmo, o rio serpenteava toda a região com suas de sete voltas. A pequena ruela que margeava o rio nesse trecho era chamada de Beco das Sete Voltas. Em uma dessas voltas ficava um porto, que recebia canoas cheias de mercadorias vindas das fazendas de São Bernardo, São Caetano, Ipiranga e por ser o mais movimentado dos portos existentes no Tamanduateí, a população passou a chamá-lo de Porto Geral. O porto, o beco e as voltas duraram até 1849, quando se iniciaram as primeiras obras de retificação do Tamanduateí, pelo engenheiro Carlos Bresser. O beco perdeu as sete voltas e virou uma rua, que passou a se chamada de Rua de Baixo (pois ficava na parte baixa da cidade) e finalmente em 1865, virou nossa conhecida 25 de Março (em homenagem a primeira Constituição do Império, promulgada em 25 de março de 1824). Já final século XIX a ideia de correção da sinuosidade do Tamanduateí ganhou impulso.
Na gestão de João Theodoro (1828-1878), Presidente da Província (equivalente ao atual Governador) de 1872 a 1875, foi executada a canalização do primeiro trecho do rio, tornando-o mais retilíneo entre o Brás e a Luz. Considerado um dos primeiros urbanistas do Brasil, foi responsável também pela melhoria da região, executando o ajardinamento e a construção da Ilha dos Amores além de importantes outras reformas no traçado urbano da província.
Em 1880, volta a se discutir quando ao embelezamento e utilização da Várzea do Carmo, além de uma solução quanto as constantes enchentes que ainda assolavam a população da cidade. Na década de 1910, após um intenso debate do qual participaram a iniciativa privada, o poder público estadual e municipal optou-se pela construção de um parque no local conforme prescrição feita pelo arquiteto paisagista francês Joseph Antoine Bouvard, chefe dos serviços de paisagismo e de vias públicas de Paris. O projeto foi aprovado em 1914, porém o novo local só foi entregue a população em 1922.
Sai a Várzea do Carmo e entra o Parque Dom Pedro II, que através de suas alamedas arborizadas, torna-se um dos mais amplos espaços públicos da cidade. Dois anos depois, em 1924, afirmando a importância e a intenção do poder público em transformar a região em um local de convivência e negócios, é erguido o Palácio das Indústrias, nome que na época incluía também a agricultura e a pecuária, como local de exposições, pois São Paulo já despontava como centro de produção.
A partir da década de 1930, com um crescimento econômico e populacional vertiginoso, São Paulo começa a se desenvolver a qualquer custo. Quase todas (se não todas) as edificações dos tempos coloniais/imperiais, já não existiam mais e essa cidade “europeizada” do final do século XIX e das primeiras três décadas do século XX passaria a desaparecer gradativamente. Nesse período, para o Parque Dom Pedro II surgiu o Plano de Avenidas, do engenheiro Francisco Prestes Maia.
O Plano de Avenidas é a principal proposta urbanística para São Paulo até aquele período, pois é a primeira vez que a cidade é pensada como um todo, num projeto de intervenção e de organização espacial que visa não apenas à área central, mas a um verdadeiro plano geral. Somente em 1938, quando Prestes Maia é nomeado prefeito pelo interventor Adhemar Pereira de Barros (1901-1969), que o plano é parcialmente executado. Permanecendo no cargo por duas gestões, até 1945, Prestes Maia executa uma série de obras previstas no plano, definindo o perfil do crescimento de São Paulo. A implantação de uma política “rodoviarista” e a aproximação paulista aos Estados Unidos e a seu modelo industrial, nos anos 1950, simbolizam claramente uma linha de intervenção urbana que se vincula à ideia de expansão ilimitada e busca nas grandes obras urbanas as soluções para a cidade.²
Final dos anos 1950, dentro do plano traçado, o parque “ganhou” cinco viadutos, pavimentação das pistas da Avenida do Estado ao longo do canal do Rio Tamanduateí e outras obras. A inauguração da Avenida do Estado é considerada o marco do início da degradação do parque, além da construção dos viadutos nos anos 1960, que eliminaram muito do verde do local.
O terminal de ônibus, inaugurado em 1971, e a Estação Pedro II do Metrô, que começaria a ser construída poucos anos depois, fizeram o parque perder ainda mais áreas verdes. Em 1980, o parque era, nas palavras do jornal Folha de S. Paulo, “um canteiro de obras do Metrô e da canalização do Rio Tamanduateí, além do terminal de ônibus”.
Atualmente é um dos lugares mais movimentados da cidade, pois constitui-se em uma região apenas de passagem. É considerada a área do centro mais esquecida pelo poder público desde a década de 1940.
O parque é sinônimo de devastação tanto de áreas verdes, e também da perda do espaço de permanência e bem estar. Nas últimas décadas, o local virou uma colcha de retalhos, paliativas de solução de locomoção e uso do espaço urbano, as mudanças que o parque (e a cidade como um todo) sofreu na segunda metade do século XX, apenas o sistema viário foi privilegiado. Existe um projeto de revitalização para toda a região, mas entra prefeito e sai prefeito, os projetos vão sendo engavetados e quem perde é a população. Precisamos aprender com os erros e copiar os acertos, urbanizar e realizar transformações duradouras para a cidade, privilegiando as pessoas, o transporte coletivo e o meio ambiente, tornando a cidade novamente um espaço de convivência e não apenas de passagem.
Bibliografia Consultada:
¹Informativo do Arquivo Histórico Municipal, São Paulo: Enchentes, n.º 5,
Panfleto da Exposição: Inundações em São Paulo – Museu da Cidade
TOLEDO, Roberto Pompeu de. A Capital da Solidão: uma história de São Paulo das origens a 1900. Rio de Janeiro: Editora Objetiva. 2003.
PORTO, Antonio Rodrigues. A história da cidade de São Paulo através de suas ruas. São Paulo: Carthago Editorial. 1997.
Sites Consultados:
http://www.prp.unicamp.br/pibic/congressos/xvicongresso/paineis/024236.pdf
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.082/259
http://revistaveneza.wordpress.com/2011/05/30/o-parque-dom-pedro-ii-e-as-fundacoes-da-arquitetura-publica/
http://www.usp.br/fau/cursos/graduacao/arq_urbanismo/disciplinas/aup0272/6t-alun/2005/m4-moussa/
http://www.dicionarioderuas.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/Introducao.aspx
http://memoriasabesp.sabesp.com.br/historia/antes_sabesp/pdf/encarte3.pdf
²http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=6587&cd_item=2&cd_idioma=28555
³http://pt.wikipedia.org/wiki/Parque_Dom_Pedro_II
O Parque que perdemos. Como dizia o Corvo de Edgar A. Poe:’ Nunca mais’.
CurtirCurtido por 1 pessoa
Nunca mais… =(
CurtirCurtir
Parabéns pela pesquisa e fotos.Obrigado pela postagem.
CurtirCurtir
Valeu Francisco!
CurtirCurtir
Prezado colega;
romanceei um caso entre um professor e uma amuna da ENC(com pesquisa do jornal OESP) e conto seus encontros secretos na Ilha dos Amores durante os anos 1910…
O livro se chama “Crime e Castigo na Escola Caetano de Campo”; ele se encontra unicamente na livraria Cortez, pq moro fora do brasil, mas deixo o meu e-mail caso queira me contactar: w.legris@gmail.com Abraços wilma schiesari-legris
CurtirCurtir
Na foto da Ilha dos Amores, as igrejas que aparecem na linha do horizonte são: à esquerda, a Igreja da Boa Morte (na antiga Rua da Boa Morte, atual Rua do Carmo).; à direita são as torres da Igreja do Carmo antes da ala esquerda ser demolida juntamente com o convento.
CurtirCurtir
Igreja do carmo antes da demolição da ala esquerda:
https://historiadesaopaulo.files.wordpress.com/2010/12/igrejadocarmo_1926_thumb.jpg?w=429&h=363
CurtirCurtir